Estado

Os polícias, molhados e secos

Ouvi de manhã, no Fórum da TSF, o líder da Associação Sindical da PSP, a queixar-se do Governo e resolvi pôr-me a par da guerra da polícia (no sentido lato de ‘forças de segurança’. Ouvindo atentamente, há argumentos que não me parecem aceitáveis.

  • O primeiro é o dos limites dos protestos. A polícia é polícia. Defende todos de todos, protege cada um colocando o limite indispensável entre liberdade e responsabilidade. Não pode, por isso, ser a primeira a ultrapassar esse limite quando defende os seus direitos.
  • O segundo é o dos cortes na função pública. Diz o Paulo Rodrigues que a polícia defende vidas, pelo que não pode ser tratada da mesma maneira. Verdade que defende vidas. Como é verdade que os médicos e enfermeiros salvam vidas. Como é verdade que os professores preparam vidas. Não chega – sobretudo não chega quando a situação é a que é.
  • O terceiro é o de que este Governo não os tem tratado diferenciadamente, como deve ser no caso de uma função primordial do Estado. Em 2011, quando mudou o Governo, todo o estatuto remuneratório da PSP e GNR estava num caos, por não aplicação das mudanças legislativas propostas pelo Governo anterior. Em 2012, precisamente para começar a resolver o problema, o orçamento do MAI foi o único a subir. Lentamente alguns pontos foram sendo resolvidos (é verdade, ao mesmo tempo em que os cortes salariais a todos no Estado iam sendo aplicados, declarados inconstitucionais, de novo aplicados, enfim…)

Mas é claro que há aqui um problema – e um problema sério por resolver ainda. Mais do que um, na verdade. No essencial, ele passa pela necessidade urgente de rever estatutos e as leis orgânicas destas forças policiais. Há anos que isso é preciso, há anos que vem sendo adiado. O problema pode, creio, sintetizar-se assim:

  • No meio do caos que virou a Administração Pública, devido ao ajustamento financeiro do Estado, ninguém nas forças de Segurança (como ninguém no Estado, aliás) tem uma perspectiva razoável de futuro na carreira. Não digo de progressão na carreira porque não gosto do termo, prefiro dizer de mérito e compensações.

Aqui há caminho urgente a fazer, um caminho que foi simbolicamente aberto no novo regime geral da Administração Pública, em que as forças de segurança obtiveram um estatuto merecido de corpo especial.

Isso pode passar pela estabilização de subsídios de risco e de fardamento; de horários; de critérios de avaliação qualitativos e não apenas quantitativos (que se apliquem mesmo, já agora).

Tudo isto deve ser discutido e negociado. O problema é que já devia ter acontecido – e teria sido inteligente resolver no último Orçamento de Estado, evitando esta tensão toda. Agora, havendo negociação, vai avançar ao mesmo tempo em que o Governo tem que rever todas as tabelas de suplementos remuneratórios do Estado – com o objectivo de poupar mais uns milhões. E sob a pressão dos protestos, nem sempre feitos nos melhores modos.

Era bom para todos que este problema tivesse uma saída fácil. Francamente, não vejo como.

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Congresso

Sinais do Coliseu (cronologia do fim-de-semana)

Passos, antes do dia d
Sem as falhas do discurso de abertura, Passos Coelho encerrou o congresso com a prudência de quem sabe estar a dias e momentos decisivos. Até às europeias, ainda virá a decisão do TC, também um documento de estratégia orçamental que anunciará que os cortes e as reformas têm que continuar. E sobretudo virá ainda a escolha do tipo de saída do programa de assistência. São incógnitas a mais, mesmo que o congresso tenha sido um pontapé de saída eficaz para as europeias.
Do discurso de hoje sobrou um elogio a Paulo Portas, um alerta para as dificuldades do pós-troika, o (quase contraditório) alívio com o anúncio do fim da ditadura das finanças. E o redobrado apelo a um entendimento comum, sem data marcada para conversar. Entendimento sobre a reforma do Estado, mas (acrescento eu) sobre as reformas que faltam na economia.
Como é óbvio, fazê-lo antes ou depois do fim do Memorando é diferente e implica coisas diferentes. Por instinto, eu diria que depois faz mais sentido no cenário de um programa cautelar e que fazê-lo antes aumenta a hipótese de uma saída limpa. Veremos.

Santana, coração e marcação
Pedro Santana Lopes deve ter falado dez vezes do discurso de Marcelo, no púlpito do Coliseu. Numa delas lembrou que Marcelo não era para ir. E comparou-se: ele, Santana, nunca deixou de defender Passos, nunca deixou de defender o partido. Se Marcelo mostrou como ser livre é bom e prendeu o congresso pela inteligência, Santana passou quase uma hora a falar ao coração dos militantes, tentando retomar a sua conhecida ligação emocional aos militantes, aos congressistas, ao partido.
Aqui há uns meses Santana escreveu num jornal defendendo primárias à direita, para a escolha do candidato a Belém. Esta noite do Coliseu os dois marcaram terreno. A luta por uma posição na grelha das presidenciais correu sempre em pano de fundo.

Marcelo, o único
Apareceu de repente, dizendo que foi de impulso, mas saiu em braços, numa chuva de aplausos. Marcelo foi brilhante e deixou o congresso com alma. O candidato presidencial que diz que não o é marcou terreno a Santana, abriu caminho a Rangel, fez as pazes com Passos (mas não sem uma mão cheia de conselhos), fez xeque a Seguro. Mostrou que ser ‘entertainer’ não é mau em política, é bom quando se faz bem. Começou a falar dizendo que estava velho. Mas o que mostrou foi sabedoria. Só não será candidato se não quiser.

Rangel, prova dos 9
Há cinco anos Paulo Rangel teve a vitória da sua vida, naquela que pensou ser a batalha mais dura da sua carreira. Estava enganado: passado este tempo, volta a ser cabeça de lista, agora de uma coligação que está há dois anos a aplicar o mais duro remédio político que o país já provou.
Este sábado, Rangel subiu ao palco do Coliseu para marcar terreno e fê-lo com eficácia. Passou meio discurso a cercar o PS, escolhendo a dedo os adjectivos: tacticista, hesitante, confuso. Repetiu-os muitas vezes. Desafiou Seguro a escolher o seu candidato, tentou mostrar que o caminho europeu do PS não tem parceiro para dançar.
Se o arranque foi profissional, a verdade é que o desafio é enorme. O discurso socialista nas europeias será nacional; a estabilização da economia ainda está mais nos quadros dos analistas do que na vida das pessoas; o discurso europeu da coligação é difícil de conciliar e mais difícil de explicar. E, já agora, os resultados de há cinco anos são um comparador difícil.
Uma coisa é certa: a campanha começa animada.

Relvas, o regresso
Parece título de filme, mas é a realidade do PSD. Passos Coelho recuperou Miguel Relvas, colocando-o como cabeça-de-lista ao Conselho Nacional, nada mais do que o maior órgão do partido entre congressos. É mais do que um perdão: é a prova de que tem tem aquela influência nunca sai de cena. E sobretudo a prova de que Passos ainda sabe como se move o partido: antes de eleições, deixar Relvas de fora seria um perigo.
Amanhã mesmo, creio, ele voltará ao partido, esperando o aplauso. Vai uma aposta?
Nota: Sei pela TVI que Relvas não vem ao encerramento. Perdi a aposta 🙂

O abraço do urso, por Menezes
O ex-líder Luís Filipe Menezes apareceu amargurado com a derrota que sofreu nas autárquicas. Mas respondeu aos seus críticos (internos e externos) com veneno: para Portas seguiu um convite para fechar rapidamente a coligação nas próximas legislativas; para Rangel, adversário da sua candidatura no Porto, seguiu o apelo a que seja cabeça-de-lista da coligação nas europeias… e que ganhe.

A dimensão de Sarmento
Nuno Morais Sarmento calou o congresso, na tarde de sábado, e calou-o pela inteligência. Explicou que é possível estar de acordo no essencial, criticar no que é importante e, ainda assim, merecer o aplauso dos militantes e dirigentes. Chama-se a isso merecer o respeito.
O fundamental da mensagem é isto: Na saída da troika, o Governo tem que ter cuidado. Cuidado com os portugueses que perderam muito neste ajustamento; cuidado em dar ao país um sonho, uma esperança, uma estratégia. Cá para nós, a Irlanda fez isso mesmo: no dia seguinte, apresentou as linhas gerais de um programa que se prolongará até 2020. Pelo caminho, pediu a Barroso e a Olli Rehn que por lá não passassem, para não dar a ideia errada.
Em Portugal, esse é precisamente o desafio maior. O Governo não esperar pela troika para saber o que mais vai fazer, criando antes a sua própria estratégia para mostrar que sabe qual é o caminho.
Sarmento foi claro: para fazer isso, é preciso mais do que está na moção de Passos. Pois é.

Passos, do bom e do mau
Passos Coelho teve bons momentos na abertura do congresso. Foi eficaz ao rentabilizar a retoma, de que todos desconfiaram; foi inteligente a explorar as opções do PS. Foi sensato na maneira como encarou o pós-troika, travando a vontade dos militantes que desesperam pelo soltar das amarras.
Mas depois de meia hora boa, até do ponto de vista eleitoral, tentou justificar a social-democracia num tom frio mais próprio de um economista como Vítor Gaspar do que de um político que procura a reeleição ou, já agora, o conforto de quem governa. Eu diria que foram dez minutos à Porto. Agora precisa da segunda volta, já amanhã, para passar a eliminatória.

Este país está melhor?
Passos diz que sim e que todos o sabem. E estará? Está. E está porque travou a fundo e evitou a queda no abismo. Mas também está pior, porque os salários baixaram, porque muitas pensões também, porque a produção caiu e o desemprego aumentou. Mas está melhor, sim, porque podia t sido pior e, sobretudo, porque sem começar a resolver os seus problemas estruturais nunca mais poderia recuperar o fôlego para voltar a crescer.
Eu sei, pareço o Marcelo naquele sketch sobre o aborto. Mas a verdade é esta: Passos tem razão em dizer que o país está mais preparado e que fez um caminho imprescindível, mas não tem em dizer que está melhor. As simple as that.

Os testes do Coliseu
1. Há dezenas de moções sectoriais em discussão no Coliseu. Quase todas pedem alguma coisa ao Governo, seja redução de impostos, novas estradas, subida do salário mínimo. O maior desafio de Passos é tirar-lhe a veleidade, convencendo o partido de que o fim do Memorando não é mais do que subir um quilómetro na escalada da Senhora da Graça. Isso quer dizer que muitas vão ter de cair.

2. A austeridade que se segue.
Até Abril, o Governo tem que apresentar à troika um guião convincente das reformas que se seguem, para que Portugal possa aproveitar o ‘momentum’ da saída e convencer os mercados de que é merecedor da confiança de uma saída menos vigiada. Mas para isso terá que alinhar com Portas o próximo Orçamento e, de caminho, a esquecida reforma do Estado. Terá de abdicar do apoio do PS. E deixar em maus lençóis os candidatos da coligação às europeias. Disto, desconfio, não se falará muito no Coliseu.
Também não se falará do encerramento de serviços pelo país, como as repartições de Finanças que fecham até Abril, ou os tribunais, ou os hospitais e escolas. Nem do TC, que ainda não decidiu sobre os salários, nem sobre a CES reforçada, nem sobre os cortes nos suplementos, menos ainda sobre as medidas que se preparam para tornar todos esses cortes definitivos. Nem se falará sobre as reformas laborais que a troika insiste serem necessárias para tornar o país mais competitivo, ene muitas outras (porque a lista de trabalhos divulgada esta semana é longa).

3. A coesão da coligação
No domingo Paulo Portas vai ao encerramento do congresso. Depois do aplauso a Passos no congresso centrista, como é que o PSD o recebe? E, mais a fundo: como é que o cimento da coligação resistirá ao fim do Memorando? Lendo o Expresso de hoje, diria que com dificuldade.

4. As legislativas e presidenciais
Juntos, ou separados? No PSD e CDS ganha-se tempo, o que faz sentido porque o tema é temível. Sim, temível: Uma moção foi literalmente censurada pela direcção do partido, ainda antes do congresso, por pedir uma lista própria do partido nas legislativas. As presidenciais são outro tabu. Há gente a mais na linha de partida e reduzidas expectativas de vitória.

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Para os mais distraídos, aqui está o problema

Como vamos passar os próximos três meses a discutir a estratégia de saída, e como a tese do ‘clean exit’ começa (previsivelmente) a ganhar apoios, achei por bem partilhar este texto convosco. Aviso: é de um fundo de investimentos; arrasa a situação de Portugal; defende uma reestruturação da dívida pública. 

Dito isto, eu não o defendo, tenho muito medo dela e ainda quero acreditar que este relatório é uma espécie de drama em terceiro acto, depois de termos passado os dois primeiros em tensão. Mas acho que convém termos bem presente a fragilidade da nossa situação quando estivermos a decidir a tal estratégia de saída. Isso sim

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PS

A guerra do Rato

Bastou uma sondagem que coloca os partidos da maioria, juntos, apenas a três pontos do PS para que tudo voltasse ao normal. Sim, ao normal. Porque é normal que o maior partido da oposição, seja o PS ou o PSD, se inquiete quando chegam os momentos decisivos.

Como é próprio dos grandes partidos, o PS não é um partido de sentido único. Hoje isso será mais claro que nunca, mas não é preciso um grande esforço de memória para nos lembrarmos o que sofreu Sampaio com Guterres, Guterres com Soares, Ferro com Costa e Sócrates. Ou à direita o que teve que aturar Balsemão, Marcelo, Barroso, Santana, Mendes e Menezes, para não dizer Ferreira Leite também.

Reposta a ‘normalidade’, o que temos hoje no PS é importante para o futuro do país. Ontem foi Carlos César, há duas semanas tinha sido Ferro, a colocar a fasquia alta para Seguro nas eleições.  Hoje leio Francisco Assis, resistindo a todas as pressões para puxar os socialistas para a esquerda. Há uma semana foi Mário Soares a dizer o contrário, num artigo tristemente ignorado onde dizia preto no branco não perceber como é que Seguro não tinha começado a preparar um grande movimento de esquerda para governar o país.

Seguro está no meio, o que não é obviamente fácil. O desafio eleitoral que se segue não será fácil, mas é claramente o momento chave da sua afirmação política.

Tacticamente falando, o problema é o comparador:

  • Há cinco anos, quando Sócrates escolheu Vital Moreira para cabeça-de-lista ao Parlamento Europeu (o que o PS se deve arrepender dessa escolha!), o PS perdeu para o PSD de Rangel. Mas aí o PS estava no Governo, em fim de ciclo da sua primeira maioria.
  • Há dez anos, porém, o ciclo era como este. A direita juntou-se e perdeu. Ferro teve 44%, metade dos eurodeputados. É esta a fasquia psicológica que quem vê o PS à esquerda quer pôr a Seguro.

Depois há a questão estrutural. Esta:

  • Os que vêem o PS no centro, dentro do paradigma difícil que vivemos;
  • Os que procuram colocá-lo num outro centro, o de aglutinação do partido numa solução dita de esquerda.

Até aqui Seguro manteve-se no meio desta discussão. Mas as europeias, porque são europeias (centro do debate público) e porque são as últimas antes das legislativas, vão empurrá-lo para algum lugar.

Se eu vejo bem os sinais, lentamente o líder socialista vai escolhendo o seu lugar. Começou o ‘novo rumo’, ainda ténue, assinou a reforma do IRC, deu cobertura às novas regras dos fundos europeus. Mantém-se de acordo com os objectivos do Tratado Orçamental. Hoje, parece mais próximo do de Assis do que do de Soares.

Claro que não lhe louvo a sorte, porque remar contra o outro PS não é fácil. Mas invejo-lhe o desafio, porque acho que esse é um lugar privilegiado, o de tentar reconstruir o projecto socialista nesta nova circunstância de um país europeu (para o bem e para o mal) e limitado nas suas opções.

Se Seguro consegue resistir? Creio que sim. Se Seguro consegue o resto, isso só mesmo a bola de cristal para dizer. Mesmo assim, acho mais provável que o PS seja útil ao país neste caminho no que numa ilusão de que tudo mudou na esquerda portuguesa e de que tudo tem de mudar lá fora. Isso já me parece uma utopia, devo dizer.

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Estado

Cuidado com as precipitações

Basta o Estado começar a emitir dívida para começarem os editoriais a concluir que Portugal já não precisa de um cautelar. Precipitadamente, digo eu.

Como esta procissão ainda vai no adro, limito-me a lembrar os dados que o Paulo Trigo Pereira usou no Público e na SIC há poucas semanas, que são hoje (e bem) recuperados no Público.

  • Inseguro quanto ao regresso aos mercados, o Estado está a criar uma almofada de tesouraria enorme, que já vai nos 20 mil milhões de euros. O Público conta o custo mensal dessa conta em 50 milhões de euros/mês (igual a 600 milhões ano).
  • Os juros das sucessivas emissões deste ano continuam presos aos 5%. Mesmo nos mercados secundários pouco baixaram nas últimas semanas. Em síntese, o custo da dívida poderá ser suportável, mas é claramente um peso sobre o nosso futuro.

Nada tenho contra a almofada – tudo o que nos deixa dormir melhor é uma coisa boa. Mas convém dizer que a necessidade de a manter é tanto maior quanto for a insegurança da saída da troika.

Leva-me isto ao ponto de partida: por mim, voto num programa cautelar. Dir-me-ão: não sabemos o que pode ser, pode ser até insuportável. Responderei que, à partida, a diferença será entre o que teremos que fazer porque está no papel e o que teremos de fazer porque as contas não nos permitem outra coisa.

No fundo, acho que pouco muda: teremos de fazer mais ou menos o mesmo. Mas a médio prazo acredito que estaremos melhor se seguirmos um caminho… ‘precaucionário’.

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Governo, Saúde

Amianto

Ainda estava no Jornal de Notícias, creio que em 2007, quando tive que me dedicar com maior atenção ao problema dos edifícios com amianto – e ao perigo potencial que isso causa a quem os frequenta. Confesso que o problema, mesmo que me preocupando, nunca me alarmou extraordinariamente. Até hoje.

A notícia de hoje da TSF não é uma notícia qualquer. Saber que num departamento com 70 pessoas, 19 tiveram já cancro e dez morreram não é uma conta qualquer. Porque tudo aquilo deixa qualquer pessoa normal em estado de choque. Pensava eu.

Infelizmente, logo pela manhã percebi que não. Porque ouvi o secretário de Estado da Energia a dizer que, enfim, estava a tratar do assunto, mas que era preciso calma, porque nisto do Estado há muitas burocracias, que estamos em austeridade e que, pronto, ainda será preciso a autorização da ministra das Finanças para mudar aquela gente de lugar. Eu, que tinha chegado a pensar que tinha sonhado com aquele som, despertei para o pesadelo há pouco, vendo-o na SIC a responder esta pergunta: “Como se sentirá se se confirmar que o edifício provoca cancro». E ele respondeu: “Ficarei muito feliz por ter despoletado o processo de mudança”.

E, ouvindo isto, só dá para perguntar: mas este senhor dorme descansado?

P.S. Um caso destes faz pior a este Governo do que um Orçamento de Estado. Aparentemente ninguém lá dentro percebe isso.

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Observador

Ano novo, vida nova (Observador, take 1)

Caros amigos, como já terão percebido aceitei com muito entusiasmo o convite do António Carrapatoso, do José Manuel Fernandes e do Rui Ramos para dirigir um novo ‘jornal’ online, o “Observador”.
Para quem tiver curiosidade, o “Observador” já tem uma página, onde se apresenta e diz ao que virá. Está aqui: www.observador.pt
Para quem quiser vir trabalhar connosco, está também por lá um email.
Nos próximos meses terei o privilégio de preparar esta missão, já com o Diogo Queiroz de Andrade ao meu lado. Mas não deixarei de aparecer por aqui, nas redes sociais, assim como na TVI24 e TSF.

Uma última palavra: devo ao Sol (a todos) o privilégio de dois anos de trabalho, onde tive toda a liberdade para fazer o que sei fazer melhor: jornalismo. Devo aos extraordinários jornalistas com quem trabalhei na secção de Política a sensação com que saio, de ter ajudado a fazer uma secção imprescindível para quem quer saber o que se passa na política em Portugal. A todos, um enorme obrigado e desejos de continuação de bom trabalho.

Vamos falando. Bom ano!

 

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Vai uma aposta?

Não há maior tentação para um observador da política nacional do que fazer apostas antes de uma eleição. As autárquicas deste ano são, porém, um caso extremo: são tantos os factores novos e de imprevisibilidade que é mais fácil António José Seguro acertar na chave do Euromilhões em que gastou dez euros esta semana do que alguém acertar nos resultados de domingo.

Há porém um exercício que podemos fazer, que é olhar para as muitas sondagens publicadas e tirar algumas tendências que parecem sólidas.

A mais consistente é esta: o PSD vai perder votos face a 2009. Diria mesmo que vai perder muitos votos. Em Lisboa, Fernando Seara está quase dez pontos abaixo do ‘score’ que Santana Lopes conseguiu; no Porto, mesmo que vença, Menezes está a 15 pontos do resultado de Rui Rio; em Sintra e Gaia, mesmo ganhando, perde cerca de vinte pontos e trinta pontos, respectivamente. Estes são os quatro maiores concelhos do país, mas há mais. Nos 24 concelhos já ‘sondados’ o PSD está a perder votos em 14 (até mesmo em locais onde vencerá, como no Funchal ou Aveiro).

Curiosamente, o PS tem um problema idêntico, embora em menor escala. No Porto está a 10 pontos do (mau) resultado de 2009; em Matosinhos e Loures também, assim como em Sintra e Gaia (onde as perdas podem ser mais ligeiras, mesmo podendo ganhar). Contas feitas ao intervalo: o PS arrisca-se a perder votos em 12 concelhos e a ganhar em cinco. Mas uma das excepções é de digestão mais difícil para o líder: em Lisboa, António Costa está seis pontos acima de 2009, mas esses votos servem também de arma contra Seguro, caso os resultados nacionais desapontem o partido.

Uma coisa é certa, para o PS: bater os resultados de 2009 não será fácil: 38% dos votos são um obstáculo respeitável.

Para sair com uma vitória, porém, Seguro tem outros trunfos. Primeiro: os políticos/comentadores baixaram-lhe a fasquia das expectativas; Segundo: nas grandes câmaras em aberto, o PS luta por quase todas; Terceiro: o voto de protesto pode acentuar-se subitamente. Último: o Governo tem ajudado, marcando o início das 40 horas semanais de trabalho no Estado para amanhã, um dia antes das autárquicas. Como se não bastasse o Orçamento, a troika e as ameaças das agências de rating.

Face a tudo isto, Seguro tem aqui a chamada ‘oportunidade Durão Barroso’: passar de muito criticado líder da oposição a potencial primeiro-ministro. Porque basta-lhe chegar às europeias para sobreviver no PS.

Claro que o risco contrário também existe, porque não basta ganhar em votos a um PSD coligado em 82 concelhos. Tem que ganhar em câmaras, ou ter mais câmaras do que Sócrates conseguiu em 2009. Não chegar aí pode não custar a liderança. Mas já vimos na história do PS quem entrasse em «estado de choque» por coisas assim.

Quanto ao PSD, a sua esperança reside na CDU, em meia dúzia de independentes e nas câmaras pequenas e médias, onde não há sondagens, para evitar a hecatombe. É certo que o Governo não cairá aqui. Mas o ‘que se lixe as eleições’, nesta fase do ajustamento, não tem um preço simpático para quem governa.

(artigo publicado no Sol, 27.9.2013)

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Promessas

Nos últimos meses tenho lido com atenção a opinião de um economista que poucos conhecerão: Luis Aguiar-Conraria, da Universidade do Minho.

Esta semana, no jornal Público, ele escreveu um tratado de sensatez em 4 mil caracteres. O ponto era este: como é que podemos fazer melhor, sabendo nós que não há espaço para fazer muito? O texto, que recomendo, devia ser bem estudado por membros do Governo e do maior partido da oposição – agora que estamos a meio da mais importante das avaliações.

Muita coisa pode e deve ser discutida, mas convém que o pressuposto esteja correctamente definido – e não acho que seja o caso. Não, eu não acho que o país tenha que convencer a troika a mudar as suas políticas. Tem é que convencer os investidores de que vai ser, a partir de Junho de 2014, um investimento seguro, estável, credível. A alternativa é ficar, como a Grécia, sob financiamento dos seus parceiros durante uma década – e, claro, ficar com a troika à perna por muitos mais anos.

Este jogo não é simples. Por exemplo: não é ainda líquido que um programa cautelar seja a melhor solução para nós todos no fim deste programa de ajuda. Com as taxas da dívida pública claramente acima dos 7%, dizer que o país quer voltar ao financiamento dos mercados (dos investidores privados) pode ser um suicídio colectivo. Porquê? Porque hoje a troika está a financiar-nos a menos de 3,5% (uma taxa historicamente baixa, mas que mesmo assim tem gerado tanta polémica) e não podemos suportar taxas muito acima disto, já que estamos a pagar cerca de oito mil milhões de euros em juros – quase o dobro do que Portugal se comprometeu a cortar até 2015.

Não. Para podermos andar pelo próprio pé precisamos de convencer o mundo (os investidores, bons e maus) de que vamos atinar. Para isso não ajuda muito prometer baixas do IMI, do IVA da restauração, ou subidas do salário mínimo e dos abonos de família, reposição de pensões cortadas, reabertura de tribunais – como tem feito nestas semanas o líder do PS, numa campanha onde arrisca perder a sua maior virtude política (aos meus olhos), o da prudência em não prometer o que não poderá fazer. O PSD e CDS também não ajudam ao prometer mudar a lei das rendas, ou ao dar esperança de redução do IVA nos restaurantes antes de o poder garantir.

Deixem-me voltar ao Aguiar-Conraria. Ele sugere que os pensionistas com maiores rendimentos paguem mais enquanto a crise durar, não por penalização, mas porque podem mais que outros; aponta para uma reforma do Estado de médio prazo, compensada com garantias constitucionais aos credores de que não haverá novo descontrolo orçamental; e recomenda que a curta margem orçamental do país seja usada não em baixar impostos, mas em reduzir a TSU. Sim, essa TSU. O pior é que faz todo o sentido. E se trocássemos umas ideias sobre isto?

(artigo publicado no Sol, 23.9.2013)

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Campanha clandestina

A Comissão Nacional de Eleições conseguiu transformar as próximas autárquicas em acto clandestino.

A sua interpretação restritiva das leis eleitorais revela um desconhecimento enorme sobre como funcionam os meios de comunicação – sobre como os diferentes critérios editoriais se equilibram, fazendo do ‘mercado’ das notícias uma coisa plural e de serviço público; de como a crise económica tornou os media menos livres para fazerem escolhas e cumprir o seu dever de informar.

Convém recordar que tudo começou com uma queixa do MEP e do PCTP/MRPP sobre a sua exclusão de debates eleitorais. A decisão da CNE (e, antes, dos tribunais) é tão absurda que o seu resultado será o inverso do pretendido: nenhum português, hoje, conhece um candidato do PCTP às autárquicas. Pior é que também dificilmente conhecerá do Bloco, do CDS ou do PCP.

Mas a decisão dos juízes terá uma segunda consequência negativa. Para evitar multas e processos, os maiores órgãos de comunicação vão fazer notícias apenas sobre o que vão dizer na estrada os líderes partidários – sobre o país, não sobre as autarquias. A campanha autárquica virou uma pré-campanha das legislativas.

Interessante, não é? Sobretudo quando tudo parte da CNE, que acabou de proibir uma entrevista ao primeiro-ministro na RTP precisamente por estarmos em campanha autárquica – e para não prejudicar os adversários. A mesma CNE que, aliás, nada disse sobre o facto de o líder da oposição ter dado duas entrevistas na última semana e meia (uma à TVI24 e outra ao DN), falando de autárquicas, do Governo e do que lhe quiseram (e bem) perguntar. Tudo isto faz imenso sentido, realmente.

No meio disto, vai sobrar-nos pouco para pensar e muito barulho para entreter. Um exemplo disso: na quarta-feira fui ouvir Paulo Portas e Maria Luís Albuquerque na comissão de acompanhamento da troika. Ouvi Portas a dizer uma banalidade acerca da meta do défice – e registei o furor que a declaração causou. Digo banalidade e reitero: que o Governo pediu 4,5% em Abril é sabido. E se o pediu então, não pode dizer agora que já não precisa.

Depois veio Passos comentar a evidência. As primeiras notícias davam conta de um reiterar de posições. Mas quando uma outra falou de uma contradição, logo todas foram contaminadas. Num mesmo site noticioso li as duas versões em simultâneo.

Pelo meio, fiquei sem saber o que queria. Com que base está a ser construído o próximo Orçamento? Para que pede o Governo uma nova flexibilização se argumenta que poderá rever em alta o crescimento da economia (o que é suposto trazer benefícios orçamentais)? Que medida substitui, afinal, a polémica TSU dos reformados? Em que medidas se traduzirão os cortes previstos na 7ª avaliação para Saúde e Educação?

Na verdade, hoje em dia tiram-se muitas conclusões, mas fazem-se poucas perguntas. Houve, porém, um deputado do PSque as fez. Pena que Portas não tenha tido respostas para o socialista Pedro Marques. Era bom que as tivesse, a partir de segunda-feira, para a troika.

(artigo publicado no SOL, a 15.9.2013)

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