Passos, antes do dia d
Sem as falhas do discurso de abertura, Passos Coelho encerrou o congresso com a prudência de quem sabe estar a dias e momentos decisivos. Até às europeias, ainda virá a decisão do TC, também um documento de estratégia orçamental que anunciará que os cortes e as reformas têm que continuar. E sobretudo virá ainda a escolha do tipo de saída do programa de assistência. São incógnitas a mais, mesmo que o congresso tenha sido um pontapé de saída eficaz para as europeias.
Do discurso de hoje sobrou um elogio a Paulo Portas, um alerta para as dificuldades do pós-troika, o (quase contraditório) alívio com o anúncio do fim da ditadura das finanças. E o redobrado apelo a um entendimento comum, sem data marcada para conversar. Entendimento sobre a reforma do Estado, mas (acrescento eu) sobre as reformas que faltam na economia.
Como é óbvio, fazê-lo antes ou depois do fim do Memorando é diferente e implica coisas diferentes. Por instinto, eu diria que depois faz mais sentido no cenário de um programa cautelar e que fazê-lo antes aumenta a hipótese de uma saída limpa. Veremos.
Santana, coração e marcação
Pedro Santana Lopes deve ter falado dez vezes do discurso de Marcelo, no púlpito do Coliseu. Numa delas lembrou que Marcelo não era para ir. E comparou-se: ele, Santana, nunca deixou de defender Passos, nunca deixou de defender o partido. Se Marcelo mostrou como ser livre é bom e prendeu o congresso pela inteligência, Santana passou quase uma hora a falar ao coração dos militantes, tentando retomar a sua conhecida ligação emocional aos militantes, aos congressistas, ao partido.
Aqui há uns meses Santana escreveu num jornal defendendo primárias à direita, para a escolha do candidato a Belém. Esta noite do Coliseu os dois marcaram terreno. A luta por uma posição na grelha das presidenciais correu sempre em pano de fundo.
Marcelo, o único
Apareceu de repente, dizendo que foi de impulso, mas saiu em braços, numa chuva de aplausos. Marcelo foi brilhante e deixou o congresso com alma. O candidato presidencial que diz que não o é marcou terreno a Santana, abriu caminho a Rangel, fez as pazes com Passos (mas não sem uma mão cheia de conselhos), fez xeque a Seguro. Mostrou que ser ‘entertainer’ não é mau em política, é bom quando se faz bem. Começou a falar dizendo que estava velho. Mas o que mostrou foi sabedoria. Só não será candidato se não quiser.
Rangel, prova dos 9
Há cinco anos Paulo Rangel teve a vitória da sua vida, naquela que pensou ser a batalha mais dura da sua carreira. Estava enganado: passado este tempo, volta a ser cabeça de lista, agora de uma coligação que está há dois anos a aplicar o mais duro remédio político que o país já provou.
Este sábado, Rangel subiu ao palco do Coliseu para marcar terreno e fê-lo com eficácia. Passou meio discurso a cercar o PS, escolhendo a dedo os adjectivos: tacticista, hesitante, confuso. Repetiu-os muitas vezes. Desafiou Seguro a escolher o seu candidato, tentou mostrar que o caminho europeu do PS não tem parceiro para dançar.
Se o arranque foi profissional, a verdade é que o desafio é enorme. O discurso socialista nas europeias será nacional; a estabilização da economia ainda está mais nos quadros dos analistas do que na vida das pessoas; o discurso europeu da coligação é difícil de conciliar e mais difícil de explicar. E, já agora, os resultados de há cinco anos são um comparador difícil.
Uma coisa é certa: a campanha começa animada.
Relvas, o regresso
Parece título de filme, mas é a realidade do PSD. Passos Coelho recuperou Miguel Relvas, colocando-o como cabeça-de-lista ao Conselho Nacional, nada mais do que o maior órgão do partido entre congressos. É mais do que um perdão: é a prova de que tem tem aquela influência nunca sai de cena. E sobretudo a prova de que Passos ainda sabe como se move o partido: antes de eleições, deixar Relvas de fora seria um perigo.
Amanhã mesmo, creio, ele voltará ao partido, esperando o aplauso. Vai uma aposta?
Nota: Sei pela TVI que Relvas não vem ao encerramento. Perdi a aposta 🙂
O abraço do urso, por Menezes
O ex-líder Luís Filipe Menezes apareceu amargurado com a derrota que sofreu nas autárquicas. Mas respondeu aos seus críticos (internos e externos) com veneno: para Portas seguiu um convite para fechar rapidamente a coligação nas próximas legislativas; para Rangel, adversário da sua candidatura no Porto, seguiu o apelo a que seja cabeça-de-lista da coligação nas europeias… e que ganhe.
A dimensão de Sarmento
Nuno Morais Sarmento calou o congresso, na tarde de sábado, e calou-o pela inteligência. Explicou que é possível estar de acordo no essencial, criticar no que é importante e, ainda assim, merecer o aplauso dos militantes e dirigentes. Chama-se a isso merecer o respeito.
O fundamental da mensagem é isto: Na saída da troika, o Governo tem que ter cuidado. Cuidado com os portugueses que perderam muito neste ajustamento; cuidado em dar ao país um sonho, uma esperança, uma estratégia. Cá para nós, a Irlanda fez isso mesmo: no dia seguinte, apresentou as linhas gerais de um programa que se prolongará até 2020. Pelo caminho, pediu a Barroso e a Olli Rehn que por lá não passassem, para não dar a ideia errada.
Em Portugal, esse é precisamente o desafio maior. O Governo não esperar pela troika para saber o que mais vai fazer, criando antes a sua própria estratégia para mostrar que sabe qual é o caminho.
Sarmento foi claro: para fazer isso, é preciso mais do que está na moção de Passos. Pois é.
Passos, do bom e do mau
Passos Coelho teve bons momentos na abertura do congresso. Foi eficaz ao rentabilizar a retoma, de que todos desconfiaram; foi inteligente a explorar as opções do PS. Foi sensato na maneira como encarou o pós-troika, travando a vontade dos militantes que desesperam pelo soltar das amarras.
Mas depois de meia hora boa, até do ponto de vista eleitoral, tentou justificar a social-democracia num tom frio mais próprio de um economista como Vítor Gaspar do que de um político que procura a reeleição ou, já agora, o conforto de quem governa. Eu diria que foram dez minutos à Porto. Agora precisa da segunda volta, já amanhã, para passar a eliminatória.
Este país está melhor?
Passos diz que sim e que todos o sabem. E estará? Está. E está porque travou a fundo e evitou a queda no abismo. Mas também está pior, porque os salários baixaram, porque muitas pensões também, porque a produção caiu e o desemprego aumentou. Mas está melhor, sim, porque podia t sido pior e, sobretudo, porque sem começar a resolver os seus problemas estruturais nunca mais poderia recuperar o fôlego para voltar a crescer.
Eu sei, pareço o Marcelo naquele sketch sobre o aborto. Mas a verdade é esta: Passos tem razão em dizer que o país está mais preparado e que fez um caminho imprescindível, mas não tem em dizer que está melhor. As simple as that.
Os testes do Coliseu
1. Há dezenas de moções sectoriais em discussão no Coliseu. Quase todas pedem alguma coisa ao Governo, seja redução de impostos, novas estradas, subida do salário mínimo. O maior desafio de Passos é tirar-lhe a veleidade, convencendo o partido de que o fim do Memorando não é mais do que subir um quilómetro na escalada da Senhora da Graça. Isso quer dizer que muitas vão ter de cair.
2. A austeridade que se segue.
Até Abril, o Governo tem que apresentar à troika um guião convincente das reformas que se seguem, para que Portugal possa aproveitar o ‘momentum’ da saída e convencer os mercados de que é merecedor da confiança de uma saída menos vigiada. Mas para isso terá que alinhar com Portas o próximo Orçamento e, de caminho, a esquecida reforma do Estado. Terá de abdicar do apoio do PS. E deixar em maus lençóis os candidatos da coligação às europeias. Disto, desconfio, não se falará muito no Coliseu.
Também não se falará do encerramento de serviços pelo país, como as repartições de Finanças que fecham até Abril, ou os tribunais, ou os hospitais e escolas. Nem do TC, que ainda não decidiu sobre os salários, nem sobre a CES reforçada, nem sobre os cortes nos suplementos, menos ainda sobre as medidas que se preparam para tornar todos esses cortes definitivos. Nem se falará sobre as reformas laborais que a troika insiste serem necessárias para tornar o país mais competitivo, ene muitas outras (porque a lista de trabalhos divulgada esta semana é longa).
3. A coesão da coligação
No domingo Paulo Portas vai ao encerramento do congresso. Depois do aplauso a Passos no congresso centrista, como é que o PSD o recebe? E, mais a fundo: como é que o cimento da coligação resistirá ao fim do Memorando? Lendo o Expresso de hoje, diria que com dificuldade.
4. As legislativas e presidenciais
Juntos, ou separados? No PSD e CDS ganha-se tempo, o que faz sentido porque o tema é temível. Sim, temível: Uma moção foi literalmente censurada pela direcção do partido, ainda antes do congresso, por pedir uma lista própria do partido nas legislativas. As presidenciais são outro tabu. Há gente a mais na linha de partida e reduzidas expectativas de vitória.